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PARA AJUDAR A DIGERIR A VIDA.

quarta-feira, abril 26, 2006

A Grande Fuga

É uma questão de sobrevivência tentar desatar nós. É humano aprender a fazer outros cada vez mais complicados.
Adormecemos e sentimo-lo a formar-se. Começa com um arranhar de garganta, evolui para uma dificuldade em engolir, culmina com a impossibilidade de respirar. O Nó na garganta, é o assunto mal resolvido, a decisão que se tem de tomar, o segredo que é imperativo fechar na gaveta. Tem que ser dissecado. Autopsiado. Visto de todos os ângulos, sujeito a todas as desculpas, previstos todos os “ses”. Quebrar-lhe o mistério tira-lhe o poder.
Há Nós seguros. Formas de atar as pessoas a nós, em Nó laço ou apertado, mais perto ou com mais folga. Os Nós são definidos pelo tipo de relação que mantemos com as pessoas que povoam a nossa vida. Permitem-nos puxá-las quando precisamos. Permitem-nos isolá-las quando não as suportamos. Elas, revoltadas e presas reagem intuitivamente e provocam-nos Nós apertados, na garganta, no estômago e na barriga à medida que desenrolam-se dos seus. Planeamos então a Grande Fuga, o dia Houdinesco em que nos libertamos dos Nós de hoje para nos enrolarmos nos de amanhã.

segunda-feira, abril 24, 2006

E ao Sétimo Dia, criou os Centros de Estética

A essência da técnica da dendrocronologia, basicamente, consiste em contar o número de anéis de crescimento no tronco de uma árvore. Cada anel equivale a um ano na vida do vegetal. Neste momento, é muito mais fácil identificar a idade de um (Quercus faginea) vulgo Carvalho, do que de uma mulher. O Carvalho é utilizado pelos botânicos e geólogos como um medidor de catástrofes naturais do ambiente, sendo a árvore que mais absorve as consequências de temporais. Por absorvê-las, a robusta árvore assume uma aparência inesperadamente disforme. A mulher é utilizada pelos centros de estética e, por outras mulheres, como provocador de catástrofes naturais. Por provocá-las, assume uma aparência voluptuosa, perene e simbólica. Inesperadamente simétrica, retira tudo o que está a mais, anula todas as marcas do tempo testando a supra-elasticidade da pele. O processo é doloroso, catastroficamente doloroso, mas necessário para que a árvore do pecado o continue a ser.

sexta-feira, abril 21, 2006

A revolta do porquinho mealheiro


Bem tento. Mas sem êxito. As lojas dão cabo de mim. O ócio dá cabo de mim. Não resisto às peças mais coloridas, aos adereços mais estrambólicos, às massagens de relaxamento que me arruínam. A roupa faz pilha em cima da cadeira do quarto. Segundo boatos, parece que a dita caiu para trás devido ao peso. Mas as 8 camisolas rosa choc que tenho são diferentes e cada uma indispensável. Estranhamente, quando vejo mais uma na loja, parecida mas com uma diferença subtil que a torna única, parece-me lógico comprá-la. Não tenho suores frios se não a compro. Sigo em frente e encontro noutra loja um rosa ainda mais choc que o anterior. Não chega a ser doentio é apenas um hábito colorido de transformar o ordenado em Pantones de camisolas.
Se o que arde cura, a dor que sinto quando vejo a conta bancária deve roçar o poder curador do Santo Graal.

Complexo de Abel e Caim

Existirá algum complexo freudiano para definir o ciúme do irmão pela relação da namorada deste com a irmã dele? Confesso que estranho. Estranho que as minhas relações de amizade com elas sejam mais duradouras que as relações amorosas que ele mantém com elas. Estranho que ele sinta e verbalize “ Ela ou Eu?” Estranho que como resposta eu vou sozinha para o Bairro com a namorada. Estranho...
Decidi mudar de abordagem, para tentar quebrar o ciclo. A próxima namorada será odiosa, flácida, antipática, e sem pinta de humor. Será maquiavélica, de preferência um travesti tresloucado. Não. Travesti não. Ainda acabávamos juntos às compras. Será uma holandesa enorme de voz grossa e pêlo na venta. Isso! Dificilmente vou gostar dela. É americana. Deslavada, mas americana. Não sei se é simpática, tento não interagir muito com ela para não sofrer represálias. Sei que tem celulite, pormenor que pude apreciar alegremente enquanto ela corria de biquíni atrás do meu cão que trincava os chinelos fashion da 5ª Avenida. Sei que é mais ou menos vegetariana. Sei que é namorada do meu irmão. Perante a minha estóica atitude de observadora não interveniente, chega o comentário sentido: “Mas, não gostas dela?!”

Descobrir o truque certo


Foi por acaso, sem saber muito bem como, descobri-o. Dediquei-me a encontrá-lo, treinei-o horas sem fim, até lhe apanhar as manhas, até o fazer de olhos fechados, até que ele fizesse parte de mim. Tive ajuda. As amigas incansáveis, os telefonemas de horas, os mimos inesperados, os apoios mesmo silenciosos e alguns de fãs desconhecidos. Como num número arriscado a plateia prendia a respiração com receio que algo pudesse correr mal. O erro de milímetros poderia ser fatal. Teria que manter o ânimo, continuar a treinar, ganhar confiança e perder o medo. Atirei-me de cabeça. Senti o vento fresco na cara, e abracei uma aterragem suave. Agora exibo o meu truque todos os dias com sucesso, com orgulho dedicado, e com a alegria de uma conquista dura. É um truque subtil, percepcionado pelos mais atentos, começa com um brilho no olhar e acaba em apoteose com o meu sorriso.

quinta-feira, abril 20, 2006

Passado, Presente e Futuro


Os tempos verbais estão sempre errados. Se estamos numa relação recente, pensamos em que pontos fomos para melhor e em que pontos obviamente descemos a fasquia. Se até somos felizes, divagamos para onde irá a relação e se a pessoa tem de facto possibilidades; se a relação a nível de numerologia roça o aceitável, se os signos chineses são compatíveis ou mesmo se a carta astral coincide. Pena, não há fórmulas. Pena não podemos decidir, prever, planear, controlar e definir o plano de ataque. Por mais definidas que estejam as regras virá sempre alguma coisa para nos estragar os planos, para abrir uma gaveta que julgávamos esquecida ou para despoletar um sentimento que sentíamos banido. Não pensem. Pensar cansa. Criar expectativas dói. Boiar na corrente é menos doloroso. Deixem-se ir e revoltem-se contra os tempos verbais.

Heroíco Salvamento

Era de manhã. Tinha sono, muito sono. Abençoada maquilhagem, para o comum dos mortais estava com um ar fresco e fofo como uma fatia de bimbo integral. Entro no carro e vou em modo automático para o emprego. A minha visão periférica (que tento sempre apurar) capta qualquer coisa presa no espelho retrovisor. Uma borboleta... quer dizer, chamar-lhe borboleta seria um elogio rasgado. Pronto, uma traça muito gira e com um futuro promissor. Tentei ignorá-la. Se não te der atenção, não existes (este tipo de pensamento é-me muito útil quando durmo com alguém que ressona). Quando já não aguentava mais, a minha consciência obrigou-me a encostar na primeira bomba da 2ª Circular e calmamente, porque insectos mesmo promissores não me agradam, salvei a pequena borboleta-traça e desejei-lhe um dia feliz. Estava zen. Salvei-a. Que boa pessoa que sou. Estava tão entretida com este pensamento que confesso não ter a certeza se a minha manobra de marcha atrás a sair do local do crime não provocou em si O CRIME. Se fizerem boas acções, esperem pelo menos 1 hora antes de ficarem felizes com isso.

Ben Hur


A Páscoa desperta em mim o síndrome Ben-Hur. A demanda de meses e meses pelo deserto alimentar sem tocar em doces e de repente... rodeada de mortíferas amêndoas com recheios ainda mais letais. Sinto-me numa loooonga metragem épica repetida anualmente. Guarda-roupa surreal (tias-avós conservadas em laca e roupas onde dominam as ramagens de aroma a naftalina), e longas caminhadas sofridas até à cozinha onde está sempre alguma coisa no forno. Curiosamente, não são as amêndoas que me perturbam, nem o Soufflé de Chocolate que a minha mãe teve a distinta lata de fazer. Mas perante a proibição de comer carne, eu que estou alegremente a abraçar a vida vegetariana, só sonhava com um bife suculento que se estivesse mais mal passado andava a pastar no prado.

@DoceCompanhia


Aqui está, a pedido de muitas famílias e ovelhas tresmalhadas, lá me aventuro no mundo bloguiano.
Não sem rede, mas com a assistência simpática de uma alma caridosa que pacientemente (quantas vezes é humanamente possível ouvir perguntar: E isto é para quê??) me ajudou a saltitar entre problemas técnicos e a instalar-me, finalmente, entre doce companhia no ciberespaço.